Jogos Vorazes

Grande parcela do público que tem sustentado as bilheterias dos cinemas nos últimos anos, os adolescentes se tornaram dos principais alvos de importantes estúdios, que investem fortemente em adaptações literárias romanceadas e com doses homeopáticas de ação suficientes para transformar em sagas produções como Crepúsculo ou Harry Porter, que uma vez arrastando milhões de espectadores, renderam continuações sem atenuantes riscos de fracasso. Em tempos de crise, financeira e criativa, apostar no garantido continua a ser o mais sensato. Projetado muito provavelmente com esta filosofia, o longa Jogos Vorazes (The Hunger Games) , adaptado do livro homônimo da escritora Suzanne Collins, tem todos os ingredientes para agradar em cheio o público para o qual foi direcionado, bem como os que já deixaram a adolescência há um bom tempo.

A história se passa em Panen, uma nação pós-apocalipse formada pela poderosa Capital, que governa, e por 12 distritos, nos quais todos os anos são recrutados através de sorteio casais de jovens, de 12 a 18 anos, para participarem de um torneio onde apenas o jogador mais habilidoso sobreviverá. Os escolhidos (denominados tributos) representam a força de sua localidade perante as demais e são protagonistas de uma espécie de No Limite, onde as ações dos participantes são monitoradas 24 horas por dia. Sacrificando-se por sua irmã, selecionada no sorteio, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e um antigo conhecido, Peeta Mellark (Josh Hutcherson), são os representantes do Distrito 12 e, acompanhados da hostess da competição — Effie Trinket (Elizabeth Banks, irreconhecível), são levados para a nave mãe, na qual se concentra toda a produção, e se juntam aos outros 22 competidores. Como parte dos preparativos para a estreia, todos são incumbidos de conseguir patrocínio (suprimentos, remédios e armas), sempre assessorados por um mentor, no caso de Katniss e Peeta este papel cabe a Haymitch Abernathy (Woody Harrelson) que zela pelas imagens de seus pupilos, tentando transformá-los em figuras carismáticas a ponto de ganharem a torcida dos espectadores e não serem eliminados, literalmente, do jogo. Manipulando todas as peças do xadrez, está Seneca Crane (Wes Bentley), o diretor do programa, que pressionado a manter os bons índices de audiência, apela para artifícios tão comuns ao que já estamos acostumados a ver neste tipo de atração que domina a TV mundial. Se o ritmo cai, investe-se na ação desenfreada entregando todo o protagonismo à figura que mais demonstra potencial e providencia um romance instantâneo para que o público não perca o interesse. Em tempo, para completar a receita — coloque como âncora uma figura propositalmente over para dominar as atenções, o Caesar Flickerman de Stanley Tucci é — digamos — um Pedro Bial afetado.

Apostando em uma linguagem provinda dos games somada ao cada vez mais gritante interesse do público pela vida alheia, o caráter premonitório visto em O Show de Truman, em Jogos Vorazes o cineasta Gary Ross, responsável pelos ótimos Pleasantville e Seabiscuit — tem inúmeros trunfos a seu favor, que coloca sua produção a frente da maior parte do que é feito atualmente para a geração teen, inclusive da trilogia de Bela e Cia. A propósito, o texto da escritora Suzanne Collins é mais atual e possui personagens melhor delineados pelo enredo do que o de Stephenie Meyer. Enquanto, por exemplo, a protagonista dos livros de Meyer se mantém atuante apenas por sua relação amorosa e aflitiva com um vampiro, Katniss Everdeen toma a frente da ação, apresentando uma independência emocional de se admirar. Exímia no arco e flecha, a personagem de Lawrence é intensamente proativa – busca por seu próprio alimento, dá conselhos a mãe e salva o mocinho da morte e não foi a toa que se tornou o centro do fascínio do reality show, que a vende como destemida, deixando os outros à sua sombra. Ao adaptar a obra de Collins para a telona, Ross foi fiel à idéia da autora, estabelecendo eficientemente a dualidade entre o que é real e o que é produzido pela mídia, portanto mesmo que alguns personagens se mantenham durante todo o tempo num determinado tom caricato, eles conseguem fazer sentido para a trama, sendo vistos como delírios do entretenimento marcados pela grandiloqüência, ilustrada pelo universo psicodélico onde estão inseridos Crane, Flickerman e Effie. Na contramão vem o lado sóbrio e realista dos jogadores, a maioria de origem muito pobre, maquiado por um tipo de imagem que o programa quer passar deles. Tal qual em Pleasantville, que narrava as tramas de um seriado de TV dos anos cinquenta, onde os protagonistas eram inseridos num ambiente com o American way of life latente, nos Jogos Vorazes a preocupação com a reputação do canal e de seus castos envolvidos é de suma importância.

Gabaritando-se para se tornar estrela, Jennifer Lawrence — outro dos principais acertos do longa, constrói Katniss como um misto de fragilidade, bem característica da idade, e ousadia que em certos pontos lembra a Ree Dolly, interpretada por Lawrence em Inverno da Alma. Entendendo as regras do jogo e o que este objetiva, ela consegue promover uma interessante reviravolta, dando espaços a mudanças de nuances que atenuam seu talento dramático.

Tendo uma trilogia praticamente garantida, a obra de Suzanne Colins é uma consistente fonte de exploração, também estruturada por temas complexos que podem gerar reflexões pertinentes, como da luta pela auto-preservação, a limítrofe fronteira entre o certo e o errado e a dominação do aparentemente mais forte sobre o mais fraco.

Numa época onde se investe pouco em produções que entretenham, mas que de igual modo tenham um caráter persuasivo consistente, Jogos Vorazes merece ter vida longa e próspera. Sem dúvida é cinema dos bons!

4 Response to "Jogos Vorazes"

  1. Anônimo says:

    Eu assisti a este filme ontem. Não conheço a história dos livros e gostei bastante da história, da discussão que ela se propõe a fazer, mas achei aquela reviravolta do romance MUITO forçada... MUITO mesmo... No mais, acho que “Jogos Vorazes” tem tudo para confirmar aquilo que “Inverno da Alma” previu: Jennifer Lawrence será uma estrela.

    Kerygma says:

    Seu modo de escrever é muito elegante, parabéns! Gosto de ler suas críticas...

    Anônimo says:

    Estou visando seu blog

    Diogo says:

    Gostei do seu blog rola uma parceria além de resenhas posto notícias, mas achoque tem haver e fiz uma crítica deste filme inclusive http://lefranconews.blogspot.com.br/

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