Os Descendentes


Sem dirigir desde que comandou o drama Sideways (2004), apenas produzindo ou roteirizando longas com alguma visibilidade como A Família Savage, o cineasta Alexander Payne retorna as telas com Os Descendentes, produção pela qual também assina o texto e que conquistou grande parcela dos críticos americanos e a Academia, que o selecionou como um dos nove filmes concorrentes a estatueta mais importante do Oscar — a de melhor filme.

Com vasta experiência em tramas que se centram em relacionamentos conflituosos, gerados e desenvolvidos em um seio familiar, no qual os componentes deste universo se direcionam a um único ponto, Payne mais uma vez aposta com certo tom satírico nas irônicas dimensões onde seus personagens estão inseridos, fazendo com eles desviem-se das convenções formulaicas, recheadas por dramas exacerbados e o questionável politicamente correto. Isso já fica claro quando o protagonista Matt King (George Clooney) vai sarcasticamente (através de narração em off) desabafando sobre como o senso geral acredita que seja a vida de um habitante do Havaí, com suas praias e paisagens, enquanto zela por sua esposa — em coma depois de um grave acidente com um barco. Responsável pelas duas filhas, o advogado King ainda assume às vezes de curador de uma região de 25.000 hectares de terra, herdada de seus antepassados por ele e por uma série de primos (uma das explicações para o título do filme), que não disfarçam a ansiedade de receberem os milhões que a venda da área pode trazer-lhes. Nunca tendo antes que dividir as funções de articulador com as de pai, o personagem se sente acuado pelas pressões dos parentes nos negócios e as cobranças das filhas, Alex (Shailene Woodley) e Scottie (Amara Miller), batendo sempre de frente principalmente com a primogênita, que lhe revela que a mãe o traía com outro homem.

Se a premissa do novo longa de Alexander Payne não chega exatamente a surpreender (é pontualmente parecida com a do já citado A Família Savage, no qual Laura Linney e Philip Seymour Hoffman interpretavam irmãos sempre divergentes um do outro, que precisavam se unir para cuidar do pai doente), sua execução não decepciona por dois motivos. Em primeiro lugar por conferir legitimidade aos protagonistas, que apesar dos lapsos de fragilidade, não demonstram em momento algum que irão se entregar a um ambiente de drama letárgico, que os tornaria unidimensionais. O acidente ocorrido com Elizabeth serviu para uma espécie de autoconhecimento, aonde cada personagem vai se surpreendendo com seus próprios atos, caminhando junto ao espectador na descoberta de suas emoções. Desde Matt se entregando a uma busca incessante pelo amante da mulher, a fim de avisá-lo que a esposa irá falecer a qualquer momento, ou Alex — pouco a pouco maturando uma cumplicidade com o pai, capaz de envolvê-la em seus planos mais maquiavélicos. Outro ponto alto é o teor cheio de ironia abordado competentemente pelo cineasta quanto às relações de parentesco na sua parceria (ou será duelo?) com o mundo dos negócios. A cena onde King encontra-se com seus primos em uma reunião em seu escritório para decidir qual será o futuro das terras da família é uma ilustração do crescente cinismo de uma sociedade preocupada apenas com seus interesses, provando que para alguns — laços de sangue são convenientes apenas quando há benefício, mais uma crítica não velada ao decadente American Way of life. A propósito — a passagem de cada ato em Os Descendentes reforça que Alexander Payne talvez seja melhor como roteirista do que diretor, os diálogos inspirados sempre foram sua marca, e neste novo longa isso não foge a regra, reservando para Clooney e Woodley os melhores momentos e as mais marcantes tiradas.



Confesso que nunca fui dos maiores admiradores de George Clooney, que em um filme ou outro parece se repetir, mas em Os Descendentes o astro se mostra seguro no papel, demonstrando uma variedade de nuances que talvez nunca tenha exibido em anos de carreira. Credencia-se que o desempenho do ator foi um dos fatores que evitaram que o filme se resvalasse para o dramalhão sentimentalista, o que é um grande risco para produções do gênero. Já a desconhecida Shailene Woddley não se intimida e faz um ótimo contraponto. Se Matt tem certas inseguranças para agir, Alex é destemida e articulada. Destacam-se também Matthew Lillard (com um papel bem diferente do habitual) e Judy Greer, protagonista de uma das melhores cenas do longa.

Longe de ser brilhante, mas bem acima da média — Os Descendentes é uma produção competente, ancorada pelo excelente elenco — sem sombra de dúvidas a melhor qualidade deste bom filme de Alexander Payne, e pelo texto — muito superior ao de seus concorrentes ao Oscar, o que não pode ser ignorado.

2 Response to "Os Descendentes"

  1. Kamila says:

    Adorei "Os Descendentes". Uma história simples, porém apresentada de uma forma muito comovente. E a atuação de George Clooney mostra, pela primeira, ele de uma forma bastante vulnerável como ator.

    Acabei de ler seu post. Excelente. Parece-me ser um bom filme apesar de não gostar tanto de George Clooney. Um abraço...

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